Como é ser viciado em jogos de azar
É possível ver o jogo das duas perspetivas: por um lado este passatempo pode trazer muita diversão e até alguns lucros, por outro pode ser de tal maneira perigoso que a pessoa já não consegue pensar noutro assunto, tornando-se viciada. Hoje vamos observar uma história de uma das dependentes dos jogos de azar, contemos como ela chegou a este ponto, como não repetir o seu caminho e como o processo de obsessão funciona.
A História da Shirley
Quando Shirley tinha cerca de 20 anos, ela e os seus amigos foram de carro para Las Vegas para se divertir. Essa foi a primeira vez que ela jogou. Passados dez anos, Shirley, enquanto trabalhava como advogada na Costa Leste, foi ocasionalmente hospedada em Atlantic City. Ela tinha, na altura, por volta dos 40 anos, no entanto, faltava ao trabalho quatro vezes por semana para visitar casinos recém-inaugurados em Connecticut. A nossa personagem de todas as opções preferia Blackjack, muitas vezes arriscando milhares de dólares por cada rodada. Ela começou a roubar muito dinheiro dos seus clientes e é precisamente por causa disso que foi condenada. Tendo passado dois anos na prisão, Shirley sentiu a necessidade de frequentar reuniões de Jogadores Anónimos, assistir às sessões de terapeuta e recomeçar a sua vida. “Percebi que tinha ficado viciada. Demorei muito tempo para dizer que era adicta, mas era, na verdade”, comenta ela. Há dez anos, a ideia de que alguém poderia se tornar viciado por causa de um passatempo tão habitual da mesma forma que uma pessoa se vicia numa droga era controversa. Naquela época, os que tratavam da dependência de Shirley nunca disseram que ela era viciada; ela decidiu isso por si mesma. Agora, os cientistas concordam que, em alguns casos, o jogo é um verdadeiro vício.
Jogar demasiado é uma mania ou um vício?
No passado, a comunidade psiquiátrica geralmente considerava o jogo patológico mais uma mania do que um vício — um comportamento motivado principalmente pela necessidade de aliviar a ansiedade, em vez de um desejo por prazer intenso. Na década de 1980, ao atualizar o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, a APA (American Psychiatric Association) classificou oficialmente o jogo patológico como um transtorno de controlo de impulso. Esta mudança reflete uma nova compreensão da biologia subentendida ao vício e já mudou a forma como os psiquiatras ajudam as pessoas que não conseguem parar de jogar. É cada vez mais necessário um tratamento mais eficaz, visto que hoje em dia o jogo é mais aceitável e acessível do que nunca. Quatro em cada cinco americanos dizem que já jogaram pelo menos uma vez na vida. Quanto aos portugueses, eles também jogam bastante, até gastaram mil milhões em casinos online em 3 meses, a partir do início da quarentena. Como nem é preciso sair de casa para jogar, tudo é disponível, desde que tenha uma conexão da Internet e um telemóvel. Várias pesquisas chegaram à conclusão que cerca de dois milhões de pessoas nos Estados Unidos são viciadas em jogos de azar e, para até 20 milhões de cidadãos, o hábito interfere gravemente no trabalho e na vida social.
Pode-se comparar a dependência do jogo com o vício de droga?
A estatística deixa a desejar, a dependência é, realmente, uma doença e a APA argumentou a sua opinião em vários estudos recentes em psicologia, neurociência e genética, demonstrando que o jogo e o vício em drogas são muito mais semelhantes do que se pensava anteriormente. A pesquisa e análise nas últimas duas décadas mudaram drasticamente o modelo de trabalho dos neurocientistas de como o cérebro muda conforme o vício se desenvolve. Pesquisas até agora mostram que jogadores patológicos e viciados em drogas têm quase o mesmo comportamento. Assim como os viciados em substâncias precisam de doses cada vez mais fortes para ficarem satisfeitos, os jogadores buscam empreendimentos cada vez mais arriscados. Da mesma forma, tanto os viciados em drogas, quanto os jogadores problemáticos sofrem sintomas de abstinência quando separados da substância química ou da emoção que desejam.
Qual é a resolução do problema?
Redefinir o jogo obsessivo como um vício não é mera semântica: os terapeutas já descobriram que os jogadores patológicos respondem muito melhor à medicação e terapia normalmente usadas para vícios, em vez de estratégias para domar compulsões como a tricotilomania (é um transtorno psicológico, quando a pessoa começa a arrancar o seu cabelo para se acalmar). Por razões que permanecem incompreensíveis, certos antidepressivos aliviam os sintomas de alguns distúrbios do controlo dos impulsos; o mesmo nunca funciona tão bem com o jogo patológico, entretanto. Os medicamentos usados para tratar do vício em substâncias drogadas provaram ser muito mais eficazes. Os antagonistas opioides reduzem o desejo. Dezenas de estudos confirmam que outro tratamento eficaz para o vício é a terapia cognitivo-comportamental, que ensina as pessoas a resistir a pensamentos e hábitos indesejados. Os viciados em jogos de azar podem, por exemplo, aprender a confrontar os seus medos, por exemplo, tentar lidar com a noção de que perderam no jogo ou iam perdendo. Infelizmente, os cientistas estimam que mais de 80% dos viciados em jogos de azar nunca procuram tratamento. E daqueles que o fazem, até 75% voltam para as salas de jogos, tornando a prevenção ainda mais importante. Nos Estados Unidos, especialmente na Califórnia, os casinos levam o vício do jogo a sério. Marc Lefkowitz do California Council on Problem Gambling treina regularmente gerentes e funcionários de casas de apostas para estarem atentos aos clientes que gastam cada vez mais tempo e dinheiro ao jogar. Ele incentiva os casinos a darem aos jogadores a opção de banir-se voluntariamente e a exibir brochuras sobre os Jogadores Anónimos e outras opções de tratamento perto de caixas eletrónicas e telefones públicos. Um viciado em jogos de azar pode ser uma grande fonte do dinheiro para um casino no início, mas muitos acabam por ficar com dívidas enormes que não podem pagar. Hoje falamos de um tema bastante raro para se falar, no entanto, por ser assim, a sua importância não diminui. As pessoas demoram tempo a perceber e, ainda mais tempo, a aceitar aquilo que elas dependem de algo, especialmente, quando se trata do jogo de azar. É necessário agir gradual e calmamente, não deixando a viciante sofrer péssimas consequências. Joguem moderadamente, se não querem acabar por se tornar obcecados.